ENTREVISTA
Nosso projeto entrevistou a professora
Katia de Souza e Almeida Bizzo Schaefer.
1. O que despertou seu interesse na área de ensino
para alunos surdos?
Há muitos anos tenho interesse em uma educação que olhe para as singularidades e proponha o desenvolvimento de seus alunos a partir deste olhar e de uma prática que se adeque às possibilidades de cada um.
2. Você poderia falar um pouco sobre sua experiência com os alunos surdos?
A minha experiência é recente. Há dois anos eu fui contratada como professora temporária para a faculdade de Pedagogia do INES. Desde então, diariamente, tenho contato com alunos surdos e suas experiências profissionais com crianças surdas ou experiências pessoais mesmo.
Comecei a fazer curso de Libras na Feneis, o que ampliou um pouco meu envolvimento com a comunidade surda. Em 2012, também iniciei a coordenação de um grupo de pesquisa, na Faculdade do INES, sobre corporeidade e surdez e, atualmente, eu e meu grupo estamos em pesquisa de campo com crianças surdas do INES da Educação Infantil 1 vez por semana.
3. Quais foram os principais desafios encontrados durante sua prática na sala de aula? Como foram solucionados?
O principal desafio foi perceber como acontecia a linha de pensamento dos surdos nas aulas expositivas. Através de imagens, slides com frases curtas e dinâmicas corporais individuais e em grupo, busquei planejar as aulas, mas mesmo assim, percebia que os alunos surdos tinham dificuldade em entender determinados conteúdos. Aos poucos, fui percebendo
Há muitos anos tenho interesse em uma educação que olhe para as singularidades e proponha o desenvolvimento de seus alunos a partir deste olhar e de uma prática que se adeque às possibilidades de cada um.
2. Você poderia falar um pouco sobre sua experiência com os alunos surdos?
A minha experiência é recente. Há dois anos eu fui contratada como professora temporária para a faculdade de Pedagogia do INES. Desde então, diariamente, tenho contato com alunos surdos e suas experiências profissionais com crianças surdas ou experiências pessoais mesmo.
Comecei a fazer curso de Libras na Feneis, o que ampliou um pouco meu envolvimento com a comunidade surda. Em 2012, também iniciei a coordenação de um grupo de pesquisa, na Faculdade do INES, sobre corporeidade e surdez e, atualmente, eu e meu grupo estamos em pesquisa de campo com crianças surdas do INES da Educação Infantil 1 vez por semana.
3. Quais foram os principais desafios encontrados durante sua prática na sala de aula? Como foram solucionados?
O principal desafio foi perceber como acontecia a linha de pensamento dos surdos nas aulas expositivas. Através de imagens, slides com frases curtas e dinâmicas corporais individuais e em grupo, busquei planejar as aulas, mas mesmo assim, percebia que os alunos surdos tinham dificuldade em entender determinados conteúdos. Aos poucos, fui percebendo
que não bastava um intérprete e uma didática
diferenciada, eu precisava estudar mais sobre a cultura
surda e ouvi-los mais para buscar novas formas de dar
aula, pois a relação deles com a linguagem verbal, e
não apenas com o português, é diferente da nossa. Os
mecanismos de aprendizagem são diferentes, já que
os recursos para a mesma também são distintos.
4. Na sua opinião, como é a relação entre os
ouvintes e surdos em salas mistas?
As diferenças são evidentes e não me refiro
apenas à questão de ouvir ou não. A forma de
perceber o mundo, de aprender, de dialogar, de
pensar... Há muitas diferenças, pois a relação com o
mundo prioriza outros canais e outras vivências em
função da surdez ou do fato de ser ouvinte. Nem
sempre essas diferenças são entendidas, respeitadas e
até valorizadas tanto pelos surdos como pelos
ouvintes.
Percebo que os surdos, de uma forma geral,
carregam mágoas dos ouvintes por se sentirem
discriminados e, mesmo quando não são tratados
dessa forma, ainda há uma pontinha dessa mágoa
permeando as relações. Da mesma forma, percebo
que os ouvintes nem sempre percebem os surdos com
identidades próprias e uma cultura diferenciada,
percebendo-os apenas como deficientes auditivos.
Portanto, acho que há um conflito inicial nas relações,
em muitos casos (nem todos), em função de suas
formas de perceberem um ao outro ainda distante e
equivocada. Com o tempo, as relações vão se
estreitando e eles se conhecendo mais, o que gera um
clima melhor na relação. Por outro lado, tanto surdos
como ouvintes são alunos em sala, seres humanos
complexos e com valores diversos. Dessa forma,
mesmo que só houvesse surdos ou só houvesse
ouvintes, haveria conflitos que são naturais nas
relações humanas.
Cabe pensar que os ouvintes, na grande
maioria, que estudam no INES já têm contato com
surdos em outros lugares (familiares, amigos,
namorados...) e por isso buscam o INES para estudar.
Logo, os ouvintes que lá estão, na sua maioria, já têm
um conhecimento e uma abertura maior para interagir
com surdos do que os ouvintes que encontramos nas
ruas, por exemplo, que não sabem nada sobre o
assunto.
5. O que você acha das políticas de inclusão que
inserem alunos surdos em classes regulares? Até
que ponto isso pode ser proveitoso ou prejudicial
para esses alunos, já que muitas dessas políticas
não preveem treinamento para os professores?
Acho que a inclusão é uma grande conquista histórica, se pensarmos que antigamente os alunos surdos nem tinham direito a frequentar a escola. Por outro lado, há ainda muito que construir e caminhar. Atualmente, a inclusão ainda é bem precária e pode até prejudicar o surdo, deixando-o sem o acesso possível à aprendizagem escolar, como alfabetização em português, por exemplo, já que os professores ainda não estão prontos para esse trabalho.
Uma nova conquista são os intérpretes em salas de aula mistas, o que já garante alguém com um olhar mais envolvido com a questão da surdez, mas ainda é pouco.
De qualquer forma, vejo a inclusão como um processo para que cada vez mais a sociedade perceba a diferença e eduque alunos que também aprendam a viver e a valorizar mais do que apenas aceitar tais diferenças. Esse contato é fundamental. Se não houvesse inclusão, os surdos continuariam fechados num mundo próprio e muitos surdos nem teriam acesso a esse mundo, pois, como são minoria, até para ter acesso a esses grupos é difícil. Da mesma forma, sem inclusão, os ouvintes teriam pouquíssimo contato com surdos, o que fortaleceria que os surdos vivessem isolados.
Outra questão é que nem todos do Brasil podem levar seus filhos ao INES para estudar. É preciso que tenhamos escolas em todos os bairros dando o acesso à educação de surdos e ao convívio social com todos até para a sociedade de ouvintes mudar sua forma de se relacionar e de perceber os surdos.
Sugestão: que em escolas inclusivas para surdos, haja uma concentração de surdos do bairro ou bairros próximos, para que eles também convivam em pares. Também é essencial o intérprete e professores preparados para esse trabalho, além de uma orientação à família.
Cabe destacar que o problema da educação é bem maior do que a educação de surdos. Têm muitos ouvintes sem educação de qualidade também e que não são incluídos porque têm asma, por exemplo, e precisam faltar muito à escola; porque tem problemas emocionais sérios que refletem no desempenho escolar; porque moram muito longe de suas escolas etc. Os professores, por sua vez, mal estão conseguindo alfabetizar e ensinar ouvintes! A inclusão precária de surdos é só mais um dos tantos sintomas do sistema educacional extremamente precário do nosso país. Não daria para resolver apenas a questão
Acho que a inclusão é uma grande conquista histórica, se pensarmos que antigamente os alunos surdos nem tinham direito a frequentar a escola. Por outro lado, há ainda muito que construir e caminhar. Atualmente, a inclusão ainda é bem precária e pode até prejudicar o surdo, deixando-o sem o acesso possível à aprendizagem escolar, como alfabetização em português, por exemplo, já que os professores ainda não estão prontos para esse trabalho.
Uma nova conquista são os intérpretes em salas de aula mistas, o que já garante alguém com um olhar mais envolvido com a questão da surdez, mas ainda é pouco.
De qualquer forma, vejo a inclusão como um processo para que cada vez mais a sociedade perceba a diferença e eduque alunos que também aprendam a viver e a valorizar mais do que apenas aceitar tais diferenças. Esse contato é fundamental. Se não houvesse inclusão, os surdos continuariam fechados num mundo próprio e muitos surdos nem teriam acesso a esse mundo, pois, como são minoria, até para ter acesso a esses grupos é difícil. Da mesma forma, sem inclusão, os ouvintes teriam pouquíssimo contato com surdos, o que fortaleceria que os surdos vivessem isolados.
Outra questão é que nem todos do Brasil podem levar seus filhos ao INES para estudar. É preciso que tenhamos escolas em todos os bairros dando o acesso à educação de surdos e ao convívio social com todos até para a sociedade de ouvintes mudar sua forma de se relacionar e de perceber os surdos.
Sugestão: que em escolas inclusivas para surdos, haja uma concentração de surdos do bairro ou bairros próximos, para que eles também convivam em pares. Também é essencial o intérprete e professores preparados para esse trabalho, além de uma orientação à família.
Cabe destacar que o problema da educação é bem maior do que a educação de surdos. Têm muitos ouvintes sem educação de qualidade também e que não são incluídos porque têm asma, por exemplo, e precisam faltar muito à escola; porque tem problemas emocionais sérios que refletem no desempenho escolar; porque moram muito longe de suas escolas etc. Os professores, por sua vez, mal estão conseguindo alfabetizar e ensinar ouvintes! A inclusão precária de surdos é só mais um dos tantos sintomas do sistema educacional extremamente precário do nosso país. Não daria para resolver apenas a questão
da surdez, como se não houvesse questões de base
mais graves para serem revistas.
6. Apesar de haver interesse por boa parte dos
alunos, ainda não são significativas as disciplinas
de LIBRAS nas licenciaturas das faculdades
brasileiras (poucos tempos, poucas horas
destinadas ao ensino dessa língua, etc.). Como tal
quadro se reflete nas salas de aula das escolas
brasileiras? A falta de preparo dos professores
ainda é um dos maiores obstáculos das políticas de
inclusão para surdos?
A falta de preparo dos professores ainda é um
dos maiores obstáculos de todo processo educacional.
A inclusão de surdos é um sintoma da fragilidade do
nosso sistema. As faculdades voltadas às licenciaturas
apresentam falhas enormes que vão além da falta de
LIBRAS. Os professores ainda ensinam uma educação
teórica e idealizada, com pouca prática. É uma queixa
constante dos alunos que quando chegam às escolas a
realidade é bem diferente do que aprenderam nas
faculdades. Por outro lado, por que esses mesmos
alunos não lutam por seus direitos? Não lutam por
disciplina de LIBRAS? A verdade é que a questão é
política e econômica e reflete na educação. O povo é
conformado, os alunos – futuros professores – não são
críticos, abrem mão do ideal em nome da necessidade
de ter bons salários (precisam se sustentar) e assim
que ganham o diploma acham que não precisam mais
estudar. Isso quando dão valor ao estudo no período
da faculdade, pois uma boa parte espera que o
professor diga o que eles têm que aprender, como,
qual página estudar para prova e assim por diante.
Quem, de fato, dentro da faculdade, corre atrás da
aprendizagem? Quem é autônomo para pensar sobre o
que quer aprender? Temos cursos de LIBRAS fora da
faculdade em vários lugares do Rio de Janeiro e as
turmas estão sempre vazias. A faculdade tem que dar
tudo? Não quero culpar os alunos, mas só mostrar que
a questão é bem mais ampla do que ter ou não
disciplina de LIBRAS. Os alunos que entram na
faculdade serão os futuros professores das mesmas,
serão os professores de novos alunos que entrarão em
faculdades e quem tem condição de ensinar quem?
Quem foi educado para fazer diferente? Eu penso que
cabe a cada um lutar pelo que deseja, sem
responsabilizar outros por isso. A educação brasileira é
muito ruim e culpar as faculdades ou o sistema não
resolverá o problema. Cabe a cada educador remar
contra a maré para mudar esse quadro, sem esperar
sentado que alguém diga o que aprender, que curso fazer. Quem quer aprender Libras e ser bom professor,
CONSEGUE!!!!!! Apesar de todos os pesares.
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Katia de Souza e Almeida Bizzo Schaefer é pedagoga
(UVA), psicomotricista (UERJ) e especialista em
Educação Infantil (PUC-Rio). Mestre e doutoranda em
educação (UERJ). Professora de Educação Infantil,
professora convidada da pós-graduação Lato sensu de
Dificuldade de Aprendizagem da UERJ e professora
contratada do INES do curso superior bilíngue de
Pedagogia.