terça-feira, 1 de abril de 2014

ENTREVISTA - Profª Tanya Amara Felipe


ENTREVISTA
Nosso projeto entrevistou a professora Tanya Amara Felipe.

1.       1. Professora Tanya Felipe, você tem uma larga experiência na área de Linguística, com ênfase em Língua Brasileira de Sinais. O que despertou seu interesse por essa área de estudo?

Quando fazia mestrado na UFPE descobri a Libras. Comecei a frequentar a Associação dos Surdos de Pernambuco para coletar dados e me dei conta daquela comunidade (minoria linguística, cultura e língua). Passei a lutar por uma educação bilíngue e não consegui sair mais...


2. A lei de LIBRAS (lei nº 10.436/2002) foi sancionada há quase dez anos, reconhecendo "como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais – Libras”. Até que ponto, no Brasil, ainda há resistência em reconhecê-la como língua?


A O problema está na origem: o fato dos surdos precisarem de um reconhecimento oficial através de decreto, já demonstra a não aceitação espontânea por parte da sociedade. Com a política de inclusão, no modelo que vem sendo imposto e não conquistado, a Libras está sendo deslocada para o AEE e a proposta de uma escola bilíngue está se transformando em um bilinguismo diglóssico.

3. Apesar de haver interesse por boa parte dos alunos, ainda são muito poucas, ou nenhuma, as disciplinas de LIBRAS nas licenciaturas das faculdades brasileiras. Aqui na UERJ, por exemplo, isso é exclusividade do curso de Pedagogia. Como tal quadro se reflete nas salas de aula das escolas brasileiras? A falta de preparo dos professores ainda é um dos maiores obstáculos das políticas de inclusão para surdos? Qual é a sua opinião a respeito de tal política?


Pelo decreto que elaboramos, a implementação da disciplina Libras começaria pelos cursos de pedagogia e há um prazo para que as universidade possam ir fazendo essa implementação até dez anos, quando todos os cursos de licenciatura e fonaudiologia tenham como disciplina obrigatória a Libras.
O fato de ter começado pelo curso de Pedagogia tem gerado um problema com relação ao profissional que está sendo contratado ou concursado para ministrar essa disciplina que está se tornando uma disciplina pedagógica e não ensino de língua. Outro problema tem sido a carga horária reduzida para um curso de língua. Se não houver uma mudança urgente, o objetivo da inclusão dessa disciplina não será atingindo, ou seja: Ao final dos cursos de licenciatura, seria possível ter o número de professores bilíngues em todas as áreas de conhecimento.

4. Um dos encaminhamentos de sua dissertação de mestrado foi a elaboração de sugestões de ensino bilíngue para crianças surdas. Você poderia apresentar as que considera mais significativas?
Pontos relevantes: Libras como L1 e Português como L2. Para alunos surdos,  Libras como L2 para as crianças ouvintes e comunidade escolar; elaboração de material didático-pedagógico adequados para educação de surdos; professores bilíngue entre outros. Estou escrevendo sobre os detalhes dessa proposta.

5. As novas tecnologias permitem configurações textuais cada vez mais diversificadas e complexas. Você poderia falar um pouco do desafio do ensino de leitura e de produção textual em meio digital para alunos surdos?
Os surdos têm explorado bastante a internet, sites de relacionamento, blogs, etc.
Estou elaborando um projeto para a educação digital para surdos, assim será possível desenvolver materiais didático-pedagógicos que possibilitem acompanhamento personalizado. Leitura e produção textual exigem uma orientação específica que o surdo pode apreender desde que se tenha um trabalho específico para e com surdos. Os alunos surdos e ouvintes têm cabeça de século XXI, mas a escola continua no século passado.
      6. Sobre a escrita em LIBRAS, haveria algum tipo de grafia consagrado (signwriting) ou seria apenas a imagem gravada em DVD?
Essa discussão sobre a necessidade de uma língua na modalidade escrita aponta para um poder consolidado através da escola. O que representa para nossa sociedade ser uma pessoal não analfabeta? Mas a questão não é saber ou não escrever, é saber compreender, inferir, interpretar, ou seja: desvelar um texto. Isso a escola não tem conseguido nem com os alunos ouvintes.
Nossa cultura se perpetua e se fortalece através da escrita, isso também poderia acontecer com as línguas de sinais, mas ainda não há uma aceitação do signwiting talvez devido ao fato de ainda ser uma escrita “fonética”. Há ainda muito a ser aperfeiçoado e serão as comunidades surdas que decidirão se irão perpetuar sua língua através de uma escrita ou do registro em vídeos ou outra mídia que poderá surgir e que capte melhor essas línguas de modalidade gestual-visual.
No entanto, pensar em um letramento também em Libras poderia aguçar as crianças surdas para o letramento em português. Mas o que tenho percebido que o problema com leitura e produção textual dos surdos é devido ao tipo de trabalho das escolas que está ineficiente também para alunos ouvintes.
7. No Brasil, o que existe de Literatura em LIBRAS? Há muita escassez nesse aspecto?
Alguns surdos pelo Brasil têm trabalhado com teatro, há adaptações de contos, fábulas para um enfoque cultural surdo, tenho visto poesias em Libras. O INES e a Arara Azul têm várias obras em DVDs. Mas devido ao fato da maioria dos surdos não saber a Libras e dos que a utilizam, a maioria não adquiriu essa língua como primeira língua, esta tem sido utilizada mais para a comunicação e não vem sendo utilizada na função poética. Falta um trabalho escolar para incentivar esse uso também.

8. Quais são seus atuais projetos na área da surdez?
Estou fazendo uma atualização e modificações no Livro/DVD Libras em Contexto – Curso Básico – Livro do Estudante para fazermos a 10ª Edição ainda esse ano. Em parceria com o SERPRO_Feneis, estamos elaborando o Dicionário Digital da Libras: essa pesquisa revisará nosso dicionário, incluindo também os regionalismos (Dicionário da Libras (versão 1.0 -INES, 2003 e versão 2.0, Feneis, 2005 – www.librasemcontexto.org; www.acessibilidadebrasil.org ). Também estamos organizando o Livro/DVD Libras em Contexto – Curso Intermediário.
Como minhas publicações na área de linguística e educação de surdos estão publicadas em anais, revistas, etc, estou organizando esses trabalhos para elaborar dois livros.


Tanya Amara Felipe possui graduação em Letras pela Universidade Católica de Pernambuco (1977), mestrado em Linguística pela Universidade Federal de Pernambuco (1987), doutorado em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1996), doutorado em Sanduíche - University of Rochester (1994) e estágio de pós-doutorado em instituições europeias de ensino básico e superior (Espanha, Porto e França). Atualmente presta serviço de consultora para instituições de ensino básico e superior e da área tecnológica, coordena pesquisa/programa da Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos. Tem experiência na área de Linguística, atuando principalmente nas seguintes áreas: metodologia para ensino-aprendizagem da Língua Brasileira de Sinais - Libras, políticas educacionais para surdos, teoria linguística - gramática da Libras, lexicografia (dicionário da Libras online) e linguística computacional (tradução automática: Português-Libras).


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